Paulo Matos | Ator e Encenador
Queridos amigos, lamento, não me levem a mal, mas não desejo participar nos “debates” sobre esta pandemia nos grupos WhatsApp, nas redes FB, nestas RGA’s. Prefiro manter e alimentar a nossa amizade, com todos os momentos de boa disposição que pudermos encontrar, com todos os copos, todas as recordações e todos os afetos, e não correr o risco de a ferir em discussões muito desiguais, onde eu tentaria contestar e provocar outras abordagens e outro pensamento, mas que iria, seguramente, perder.
Uns irão dizer que “fujo ao debate”, outros que “não estão para isto”, outros ainda que “o texto não devia ser tão longo”, etc.. Mas apenas vos peço que o que aqui envio sirva de partilha e reflexão e em nada prejudique a nossa amizade.
Gostava de ser capaz, queria ficar sossegado e indiferente, partilhar da mesma onda uníssona de clamor “covidiano”, avançar com as intermináveis partilhas das mesmas notícias, repetidas à exaustão, para nos continuar a convencer, firmemente, da “verdade”. Gostava de conseguir ficar bem enquadrado no “discurso dominante” afirmando a sua evidência face a tantos relatos, retratos, números, dramas, etc., etc.. Sei que faria muito melhor em manter-me como simples caixa de eco das mesmas declarações de alarme e pânico, partilhar todas as mensagens sobre os tios e avós que ficaram infetados, os ventiladores que não vieram, o caos deste e daquele serviço de SNS, das notícias produzidas à exaustão, bombardeadas por todos os sacadores de audiências, para uma multidão que passou a acreditar e aceitar que a realidade se reduziu a… um vírus. Bem queria, sim, mas não sou capaz.
Era bem mais fácil. Mas não consigo. Tenho a mania de alargar os meus horizontes, de não me limitar a discursos únicos e de questionar os discursos dominantes.
Sou de esquerda. A esquerda que deseja melhorar o mundo e não perde de vista que o real não se reduz ao meu umbigo, que o mundo é imensamente vasto na sua capacidade trágica de produzir sofrimento e de alimentar egoísmo. Por isso me afirmo de esquerda, apesar de perceber que estas classificações estão cada vez mais esvaziadas de conteúdo claro ou de acessões inequívocas. Procuro ativamente, no meu dia-a-dia, nas minhas ações e comportamentos, nos meus empenhamentos e nas minhas escolhas, encontrar sempre o que possa refletir a defesa da solidariedade, dos mais fracos e desfavorecidos, da equidade e da liberdade. Acima de tudo, procuro que estes valores não se esvaziem e não se tornem o lugar das boas consciências e do politicamente correto.
Talvez por isso eu esteja, quase sempre, em minoria. Porque o meu caminho não é evidente, porque a realidade não é uni-facetada e muito poucas vezes obedece ao que as maiorias afirmam.
Tudo à nossa volta, neste momento, nos diz que estamos a construir tragédias, misérias, sofrimento e profundas desigualdades. Seria fácil constatar, assim quiséssemos ver e ouvir. Esta pandemia está alicerçada num conjunto de alarmes mediáticos que apenas nos criam pânico numa espiral da qual não conseguimos sair para ver a luz do dia. Com uma enorme novidade que desconhecíamos até hoje: é um alarme à escala mundial, pelas redes de comunicação que se propagam à velocidade da luz. Todas as notícias que possam alimentar este alarme são difundidas e aumentadas no seu páthos à exaustão, e as poucas vozes que tentam criar um pouco de, digamos, bom senso, são caladas e excluídas. E ainda com a agravante de comportamentos e posições cada vez mais radicalizados e maniqueístas: quem duvida do discurso mediático é, imediatamente, classificado de inimigo “trumpista”, negacionista e outras palavras convenientemente desenterradas do fundo do dicionário para ajudar ao radicalismo; quem, por outro lado, radicaliza o seu discurso “negacionista” acaba na tentação de uma revolta inconsequente e onde tudo e toda a crítica é metida num saco cheio de conspirações produzidas por imaginações delirantes.
Deixou de haver espaço para a lucidez e o bom senso. Deixou de haver lugar para o questionamento, para o erro e para o humanismo real.
A “guerra” que imaginamos travar contra uma pandemia feita e alimentada de pânico deixa-nos cegos, fundamentalistas e profundamente egocentristas. O problema de análise não está no que vemos e nos fazem ouvir e concluir. Está exatamente em tudo o que deixámos de ver e nos tolhe a capacidade de criar distância e de pensar.
Nas várias epidemias anunciadas nos últimos 20 ou 30 anos, vários epidemiologistas lançaram previsões catastróficas. Felizmente para o mundo e para todos nós, que ninguém os ouviu ou amplificou. Um exemplo apenas: o epidemiologista Neil Fergusson previu para o SARS-CoV-1 muitos milhões de mortes (mais de meio milhão no seu país, Reino Unido), números absurdos equivalentes ao que agora previu para o SARS-CoV-2. A única diferença foi que nessa primeira ocasião não foi ouvido e propagandeado, e agora foi.
As mortes por Covid são apenas cerca de 0,5% dos que contraem a doença, os quais são pouco mais 2% dos que testam positivo. A média de idades das pessoas falecidas em todo o mundo é superior a 80, quase todos portadores de doenças graves e/ou de obesidade. Nem os mais fanáticos conseguem desfazer estes dados gerais reais…!
Em Portugal, hoje mesmo, deparei-me com um gráfico de dados do SNS (Monitorização Diárias dos Serviços de Urgência), onde pude verificar que dia 21/01/2020 houve 19.832 “episódios de urgência” e no dia 21/01/2021 houve apenas 9.297, com menos internamentos também. São dados oficiais!
Neste momento podem já confirmar-se cerca de 8.000 mortes a mais por todas as outras causas de morte para além da (sagrada…!) covid-19 – que, ironia das ironias, nem sequer mata, apenas enfraquece corpos e sistemas já debilitados que acabam por falhar.
E quem são estas “outras” mortes? De novo os que menos podem e menos conseguem; os que, por via da pobreza, da ignorância, ou do medo (qualificações equivalentes…) estão hiper-fragilizados e morrem do seu próprio confinamento.
Os confinamentos decretados e impostos por todo este discurso dominante, são cruéis e verdadeiros assassinos. Os seus efeitos colaterais sistémicos, que irão prolongar-se muito para lá do presente, são enormes comparados com os ténues benefícios sobre um vírus “benigno”, e que irá, façamos o que fizermos, traçar o seu caminho igual a todos os outros milhares de vírus da mãe natureza. Esses efeitos colaterais são de toda a ordem, desde, evidentemente, sanitários, mas também e sobretudo económicos, sociais, mentais e até civilizacionais, sobretudo nas consequências sobre as nossas crianças. Milhões, muitos milhões de pessoas irão ficar sem qualquer nível de subsistência, a precarização do trabalho aumentará de forma exponencial, os problemas de saúde mental irão agravar-se de forma dramática, e todos estes danos serão cumulativos e prolongados no tempo.
Eu estou (reafirmo para todos e para mim próprio) do lado dos mais frágeis. Não posso pactuar com a hipocrisia sem fim deste pânico instalado pelas redes sociais e pela manipulação da informação. Estamos a matar, sim matar, condenar à morte, muitos milhões de pessoas em todo o mundo que neste momento morrem de fome ou de condições de vida miseráveis.
Esta é uma “guerra” de ricos contra pobres, de classes médias protegidas, com um megafone na mão e com toda a capacidade de decisão, contra todos os que não têm voz e nenhuma capacidade de decisão.
Nota breve, para que não fiquem dúvidas: eu faço parte dos privilegiados, eu tenho voz, eu participei ativamente na rampa de lançamento do alerta, nas primeiras fases desta pandemia. Faço parte de uma das áreas sociais e económicas profundamente afetadas, a cultura, mas tenho meios de subsistência e uma casa aquecida…
Vivemos (nós, os que têm casa aquecida…) divorciados do mundo que não tem, exatamente, não tem voz, nem casa, nem salário garantido, nem armas para lutar, nem capacidade de suportar, nem voz, nem voz, nem voz. E esse mundo é enorme e sofre, sofre, com as decisões do nosso mundo egoísta e tristemente alarmado apenas porque lhe entrou um vírus pela porta dentro…!
Fosse em África o centro nevrálgico das mortes e ninguém (ninguém!) faria eco nem transformaria isso numa pandemia…! – aliás, não poderia ser nunca em África porque aí as esperanças de vida rondam os 50 anos… Aqueles que o vírus mataria já morreram de todas as outras causas…
O vírus não é um inimigo. Coabitamos com eles desde a origem dos tempos, e a natureza dos vírus é a de se propagarem por entre os vivos. Cumprem o seu destino e as suas mutações. Não podemos parar um vírus nem o exterminar. Temos, como sempre temos tido, desde que a vida se iniciou, de coexistir com todos eles como com todos os outros seres da natureza. A vida é o lugar da batalha pela sua própria manutenção. A cada instante estamos na fronteira da morte e a cada instante – até ao momento em que, por fim, perdemos a batalha – saímos vencedores. No entanto pretendemos cada vez mais criar uma sociedade sem morte nem mortos. Há muito já que começámos a afastar os mortos (os idosos e os doentes também, tragicamente) do nosso universo de vivos. Pretendemos fazer crer às nossas crianças que não existem e que a própria morte é um assunto marginal e estranho. Mas agora, cada vez mais, iniciámos já outra fase. Agora, cada vez mais, no nosso primeiro mundo, a morte voltou a ficar visível, mas tem de ter uma culpa e um culpado. Já não se pode “simplesmente” morrer, há que encontrar as razões, proceder à elaboração de um processo de culpa e acusação. Alguém morreu, logo perguntamos de quem é a culpa, quem é que falhou, que organismo ou pessoa é que não cumpriu a sua obrigação de fazer continuar a vida, compulsivamente.
Aceitar a morte é também um ato de liberdade. Eu quero aceitar a minha morte quando ela chegar, da forma que ela chegar, sem acusar ninguém, nem nenhum “bicho”!
(tenho entregue o meu testamento vital. Não quero prolongamentos artificiais da vida nem culpas para minha morte.)
E quero ver os meus filhos, netos, familiares e amigos, até ao final da minha vida. Não aceitarei que um Estado, um vírus, uma pandemia, uma autoridade qualquer que ela seja, me obrigue à privação das minhas liberdades fora do meu consentimento. A Liberdade é um valor fundamental. Por isso sou de esquerda.
Nesta pandemia do pânico fomos colocados face a um estado de guerra. Foi-nos dito que estávamos em guerra. Foi-nos incutido, à exaustão, ao mais fundo da nossa alma e dos nossos sentidos, o pânico face a um inimigo, supostamente desconhecido e devastador – tenham medo, afastem-se, escondam-se, todos à nossa volta são potenciais perigos. Todos nos vergámos, inicialmente, a este poder e a esta missão, todos confinámos, todos pusemos máscaras e nos separámos fisicamente uns dos outros, porque todos julgámos que não teríamos outra hipótese face a tamanho perigo bélico.
Todos nós.
Afinal, não é verdade.
Errámos.
Temos de ser capaz de nos corrigir quando nos enganamos.