
Os casos positivos à covid-19, em função dos testes PCR e antigénio, e a sua evolução ao longo do tempo, têm sido um dos principais indicadores para sustentar a estratégia do Governo e justificar as restrições impostas aos portugueses. Porém, numa análise mais fina aos dados disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde evidencia-se um estranho padrão nas taxas de positividade desde Novembro e, sobretudo, variações sem nexo de casualidade num evento como uma pandemia. Testar mais só serve para criar mais ruído. Na verdade, como aqui se defende, o “testar, testar, testar” deveria ser antes o “testar com critério, testar bem, testar com rigor”.
Pedro Almeida Vieira

A taxa de positividade dos testes PCR e antigénio – que servem também para indicar o grau de intensidade das infecções por covid-19 – apresentam um estranho padrão desde Novembro. Embora numa análise de tendência se confirme que o mês de Janeiro, até ao dia 25, registou um agravamento das infecções por SARS-CoV-2 – ultrapassando-se, em alguns dias, uma taxa superior a 20 casos positivos por cada 100 testes realizados –, as variações entre os dias da semana mostram uma constante predominância de positividade mais elevada nos sábados – e em menor grau nas sextas-feiras e domingos – do que nos restantes dias da semana. As únicas excepções foram a véspera de Natal e a véspera do Ano Novo (dias 24 e 31 de Dezembro, ambos quintas-feiras) com os valores de positividade a atingirem valores perfeitamente anómalos (47% e 50%, respectivamente).
Com efeito, desde 1 de Novembro de 2020 até 10 de Fevereiro de 2021, e de acordo com dados da Direcção-Geral da Saúde (DGS), cruzando os casos positivos contabilizados e o número de testes realizados (PCR e antigénio), quase invariavelmente o sábado é, com grande distância, o dia da semana com maior taxa de positividade. Por exemplo, em Novembro do ano passado, os três dias com maior taxa de positividade foram sempre ao sábado. Retirando os já referidos casos de positividade anormal da véspera de Natal e de Ano Novo, também em Dezembro, o sábado se destaca. Em Janeiro repetiu-se o padrão, até de forma mais marcante. Os sábados do primeiro mês de 2021 (dias 9, 16, 23 e 30) ultrapassaram sempre os 30% de positividade. O máximo foi atingido no dia 30, com 37% de casos positivos. Nenhum outro dia, neste período, ultrapassou os 25%. E se excluirmos os dias adjacentes ao sábado (sextas-feiras e domingos), apenas nos dias 26 (terça-feira, com 21%) e 27 (quarta-feira, com 24%) se superou os 20% de taxa de positividade.

Este estranhíssimo padrão vem, pelo menos, desde Novembro. Se considerarmos os valores de positividade contabilizados diariamente pela DGS apenas entre as segundas-feiras e as quintas-feiras – ou seja, em quatro dos sete dias da semana –, apenas por quatro vezes nos meses de Novembro e Dezembro se ultrapassou os 15% de taxa de positividade, incluindo os valores anormais das vésperas de Natal e de Ano Novo. Ao invés, no mesmo período, por 14 vezes essa fasquia foi ultrapassada às sextas-feiras, sábados em domingos (três dias numa semana de sete).
Em Janeiro, o aumento gradual da taxa de positividade (média móvel de 10 dias) – que ultrapassou os 15% a partir do final da primeira semana de 2021, chegando a subir acima dos 20% a partir de 18, e até ao final do mês – não veio alterar este estranho padrão. A positividade aumentou no período semanal das segundas às quintas-feiras (12 dias com mais de 15%), mas mantendo-se a grande distância aos valores registados nos outros dias, sobretudo em relação às sextas-feiras e sábados. Com efeito, em Janeiro, a taxa de positividade aos sábados foi sempre superior a 30%., atingindo mesmo os 37% no dia 30.
No entanto, a maior estranheza – e, de facto, esta é a palavra mais adequada para um fenómeno deste quilate, tendo em consideração um evento epidemiológico – advém das variações inter-diárias numa mesma semana. Pegue-se, por exemplo, no período de 21 a 27 de Dezembro. No dia 21, a taxa de positividade foi apenas de 4,6% (o valor mais baixo do mês), subiu no dia seguinte para 7,8%, depois para 13,0%, disparou para 47,1% na véspera de Natal, para depois baixar repentinamente para 6,1% no dia de Natal, passar em seguida para 9,0% no dia 26 e fixar-se nos 6,1% no dia 27. Se se analisar o período entre 28 de Dezembro (que teve 7,4% de casos positivos) e 3 de Janeiro (com taxa de 9,7%) encontram-se mais variações estonteantes, com um pico de 49,9% de positividade no dia 31 de Dezembro. O mês de Janeiro mostrou também idêntico panorama: as variações diárias da taxa de positividade parecem uma montanha russa, com valores mais altos sempre às sextas-feiras e sábados, e muito mais baixos durantes os quatro primeiros dias úteis da semana. Na mesma semana pode ver-se um dia com menos de 10% de casos positivos e outro com mais de 30%.
As razões para estas variações podem ser várias, a começar por razões administrativas de registo. Porém o facto de se realizarem menos testes PCR e antigénios aos fins-de-semana não pode ser argumento válido, porquanto a taxa de positividade é uma proporção (casos positivos por 100 testes, por exemplo), pelo que, num evento epidemiológico seria expectável que os aumentos diários bruscos apenas ocorressem pela existência de novos surtos, e não por estar associado, como se mostra, ao dia de semana dos registos. Na verdade, aquilo que aqui se evidencia é sobretudo uma inutilidade dos registos diários como forma de acompanhamento da evolução da pandemia em Portugal.

Em todo o caso, a análise aos dados da DGS, permite também esclarecer (ou pelo menos aflorar) outros aspectos polémicos associados aos testes. De facto, tem vindo a questionar-se se o aumento do número de casos positivos, em especial em Janeiro, se deveu sobretudo ao aumento na realização de testes. E agora o Governo e diversos peritos têm defendido testagem em massa.
Ora, sendo evidente que, em teoria, um aumento do número de testes aumenta a probabilidade de se encontrar um maior número de pessoas com resultado positivo, pode não ser a melhor estratégia para se controlar um evento epidemiológico. Na verdade, a realização de testes em massa – ainda mais numa doença que apresenta um elevado grau de assintomáticos e uma baixa prevalência (actualmente, face aos casos activos, é de apenas 1%) – pode alterar artificialmente a taxa de positividade, deixando essa de ser um indicador fiável como “grau de infecciosidade” num determinado período, sobretudo se os testes passarem a incidir em grupos de baixo risco. Isto por uma razão muito simples: um aumento do número de testes sem critério – por exemplo intensificando a sua realização a pessoas sem sintomas – vai ter como consequência imediata uma redução da taxa de positividade, o que, parecendo dar sinais de melhoria, pode esconder uma realidade menos favorável.
Imagine-se uma situação teórica: existindo suspeitas evidentes de covid-19 num lar, vamos supor que se decide, e bem, aí realizar 100 testes aos utentes porque alguns deles tinham sintomas compatíveis com covid-19, e que, confirmando-se as suspeitas (como sucede), se verifica que metade dos idosos eram positivo. Temos então 50% de positividade. No entanto, se se decidir também testar, só porque sim, outras 100 pessoas na comunidade, aleatoriamente, mesmo sabendo que nenhuma tem sintomas, será expectável, face à taxa de prevalência de apenas 1%, que se tenha mais um caso positivo. Supostamente, isso é bom, porque será menos uma pessoa potencialmente a infectar outros, porém sempre será de baixo risco porque está provado que um assintomático tem menor capacidade de transmitir o vírus do que um sintomático. Mas vamos até admitir que afinal temos o triplo de assintomáticos com teste positivo do que se esperava. Apanhamos assim três pessoas que, potencialmente, deixam de infectar. Porém, juntando os testes no lar (onde se deveria fazer a testagem) e na comunidade (3 casos), passámos a ter 200 testes e 53 casos positivos, pelo que a taxa de positividade não de 50% 8ª dos lares) mas de 26,5% (total). Imaginemos agora que, no dia seguinte, além de outro lar com 50 infectados em 100 utentes (50% de positividade), se decide fazer mais 1.000 testes, apanhando-se o triplo da taxa de prevalência (ou seja, contas feitas, mais 30 pessoas). No final desse dia há 1.100 testes realizados (mais 900 do que no dia anterior), mais casos positivos (80 casos positivos), mas a taxa de positividade desceu pata 7,3%, confrontando com os 26,5% da véspera. Isto é, a evolução aparenta ser muito melhor, mas esconde que, afinal, continuamos a ter um problema grave nos lares, que passa discretamente nos valores globais, e apenas apanhámos três dezenas de assintomáticos de baixo risco de infectar a comunidade.
E isto sem contabilizar a velha questão dos falsos positivos, porque quanto maior o número absoluto de testes em assintomáticos maior será o número de falsos positivos, independentemente do seu peso relativo. Aliás, testar assintomáticos sem critério, em grande número, dará apenas uma garantia: nunca se conseguir reduzir o número de casos positivos para valores considerados seguros para abrir a actividade económica e social.
Por estes motivos, o lema “testar, testar, testar” acaba por ser um absurdo. Na verdade dever-se-ia sim seguir o lema: “testar com critério, testar bem, testar com rigor”. De contrário, se a estratégia for a de testes sem critério – e sobretudo alterando constantemente os grupos de pessoas a serem testadas –, a taxa de positividade – e em consequência do R0 – deixa de ser um indicador útil sequer para acompanhar o nível de infecciosidade.

Aliás, isso já sucede em Portugal. Com efeito, embora fosse útil deter informação mais detalhada, os dados disponíveis da DGS permitem observar uma tendência de aumento de casos positivos (embora não linear) sempre que o número de testes aumenta. Por exemplo, todos os dias em que se realizaram mais de 60 mil testes, contabilizaram-se mais de 10 mil casos positivos, e mesmo em alguns dias mais de 14 mil. Ao invés, quando se fizeram menos de 20 mil testes, raramente se ultrapassaram os quatro mil casos positivos.

Porém, esta análise é demasiado simplista para tirar conclusões, tanto mais que se ignora pressupostos fundamentais, como seja a partição regional (e até concelhia) dos testes e dos casos positivos, e também a partição por grupo etário e, especialmente, na comunidade e nos lares (onde a prevalência é muito mais elevada). Em todo o caso, se se estabelecer uma relação entre o número de testes e a taxa de positividade desde Novembro observa-se uma tendência para a positividade diminuir à medida que se aumenta o número de testes, confirmando-se aquilo que atrás se referiu sobre o risco de se aumentar a testagem sem nexo.
Contudo, convém mais uma vez salientar que, por causa da caótica e estranha variação diária da positividade, a única conclusão que se pode retirar é a serem os dados compilados pela DGS – e usados nos modelos matemáticos dos peritos-consultores – de muito duvidosa utilidade na gestão da pandemia. Para não dizer de evidente inutilidade.
Por isso, defender um aumento massivo da testagem – que implica nova alteração do modelo e do universo de pessoas a serem testadas – só vai aumentar essa inutilidade: Se é que algo inútil pode, por si só, aumentar esse grau.