
Carlos M. Fernandes | Investigador Científico


George Steiner, crítico literário e ensaísta norte-americano, comprimiu os quatro anos do curso geral de Yale em apenas um (proeza só exequível quando uma mente brilhante encontra um sistema de ensino civilizado). Nesse período, estudou física, química, matemática, poética, epistemologia, filosofia e antropologia, entre outros temas. Com a licenciatura nas mãos, enveredou pelas letras. Mas foi, para essa viagem, equipado com um manancial inesgotável de recursos para exprimir o mundo.
Não sabemos se na universidade de Yale ainda se promove o conhecimento horizontal. Talvez não. O cancro da especialização metastizou por todo o corpo da academia mundial. Sabemos que em Portugal e, em geral, na Europa, a aprendizagem multidisciplinar é, ao dia de hoje, uma memória distante. Mesmo o ensino básico já foi destituído de todos os elementos que estruturam um ser humano minimamente decente. O inglês, com pretextos utilitaristas, tomou o lugar que, outrora, foi do latim (e, a julgar pelo que se vai ouvindo nas ruas, do português também). A programação, novíssima obsessão da geração do efémero, avança como um elefante desastrado através de arrecadações mentais que ainda não estão convenientemente organizadas. À memorização e repetição, tocou-lhes em sorte o degredo, solução reservada para os métodos de aprendizagem incompatíveis com o «progresso». E os clássicos, sem os quais não sabemos ler(-nos), têm sido gradual e insidiosamente substituídos por panfletos de vulgaridade.

A isto, acrescentemos o nivelamento na mediocridade, a inibição da excelência e o louvor do trivial, e temos o retrato completo de um crime perpetrado por uma quadrilha de filisteus, entre ideólogos e executores, que, como é habitual nas criaturas banais, avaliam os outros pela sua própria medida, denegando-lhes a possibilidade de fazer melhor, de superar desafios exigentes.
O resultado deste estreitamento de capacidades é uma sociedade de especialistas – no sentido pejorativo da expressão, pois, tomando de empréstimo as palavras de um amigo meu, um especialista é, amiúde, um ignorante com uma especialidade. Aqueles que, com a solicitude, o voto, ou mesmo o silêncio, pactuam com isto, com a restrição dos horizontes de uma geração, são cúmplices de um crime. E um cúmplice, em qualquer tempo ou lugar, é um criminoso.