Quinta-feira, Dezembro 5, 2024
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Restrições no máximo, infecções no mínimo

Segundo a Universidade de Oxford, Portugal é um dos cinco países da Europa com mais restrições para controlar as infecções pelo SARS-CoV-2. Escolas encerradas, comércio fechado, máscaras impostas em quase todo o lado, confinamentos, recolheres obrigatórios e 12 estados de emergência quinzenais em 12 meses. E também um Serviço Nacional de Saúde que colapsou em Janeiro, e também lares cuja situação se continua a ignorar. Enquanto isto, um paradoxal recorde: no dia 2 de Março bateu-se o mínimo histórico de infecções respiratórias.

Pedro Almeida Vieira

Enquanto o Governo mantém a intenção de prolongar as restrições económicas e de cidadania até Abril, as infecções respiratórias, que incluem síndromes gripais, continuam a bater mínimos históricos. De acordo com os dados do Serviço Nacional de Saúde (SNS), inseridos na plataforma de Monitorização Diária dos Serviços de Urgência, no dia 2 de Março (ontem) contabilizaram-se zero casos de gripe e apenas 114 infecções respiratórias. Desde Novembro de 2016, quando o SNS iniciou a divulgação da monitorização de infecções respiratórias, que não se registavam valores tão baixos, mesmo se a pandemia da covid-19 já tinha causado uma abrupta retracção desde Março do ano passado. 

Pela consulta e análise dos dados do SNS, as infecções respiratórias encontram-se agora em valores perfeitamente residuais: entre 23 de Fevereiro e 1 de Março (sete dias) foram registados apenas um total de 995 casos, dos quais sete episódios de gripe. Face à média (2017-2020) do período homólogo verifica-se uma redução de 89,2% nas infecções respiratórias e de 99,5% nas gripes. Se comparado com o pior ano (2018), a redução é de 90,2% e 99,6%, respectivamente.  

Com o surgimento do SARS-CoV-2 no final do Inverno do ano passado – cuja doença que viria a ser classificada de pandemia pela Organização Mundial de Saúde – tinha sido, desde logo, evidente uma redução abrupta de outras infecções respiratórias à escala mundial. Ainda recentemente, em Dezembro passado, a revista científica Nature confirmava a quase ausência de gripe no Hemisfério Sul nos meses de Julho a Setembro, que em parte se deveria às medidas associadas ao controlo da covid-19, mas não só. Nesta como em muitas outras matérias, existem ainda muitas incógnitas e mistérios. Por exemplo, ao contrário do que está a suceder com os vírus da influenza (gripe), em algumas regiões observa-se um acréscimo da prevalência de rinovírus e adenovírus – causadoras de simples resfriados e constipações –, aventando-se mesmo a hipóteses de estes vírus puderem dar uma “ajuda” no combate ao SARS-CoV-2. Com efeito, um estudo publicado em Outubro de 2020 no Journal of Infection, envolvendo quase 870 mil pessoas, sugeriu que adultos com resfriados no ano anterior tinham menos probabilidade de ser infectados pelo SARS-CoV-2, embora o motivo permanecesse desconhecido. A importância da imunidade cruzada tem sido, aliás, um tema científico em investigação, não sendo até uma boa notícia para o futuro um permanente baixo número de infecções respiratórias provocadas por outros vírus. “Se a gripe estiver baixa durante algumas temporadas, isso pode deixar uma lacuna para que os vírus suínos tenham mais impacto”, alertava, no citado artigo da Nature, o virologista norte-americano Richard Webby.

Certo é que, no caso português, este ano as comuns infecções respiratórias e as síndromes gripais, que entupiam os hospitais nos invernos anteriores, praticamente desapareceram com o surgimento da covid-19. Em anos anteriores à actual pandemia, o SNS contava nos meses de Março sempre com mais de mil casos diários de infecções respiratórias, entre gripes, síndromes gripais, pneumonias, bronquites e outras doenças afins. Em Março de 2020, porém, registou-se uma queda abrupta. Em Abril, estas infecções situavam-se já somente um pouco acima dos 200 casos diários, uma queda que rondava os 80% face aos períodos homólogos de anos anteriores. Durante o Verão, estes valores mantiveram-se baixos, e só em Setembro se observou uma ténue subida de casos, que atingiu o seu apogeu no dia 28 com 22 episódios gripais e outras 741 infecções respiratórias. A partir daí, em vez de surgir um recrudescimento destas infecções – que, por regra, em anos anteriores, supera os dois mil episódios diários em alguns períodos –, os casos diminuíram. Em pleno inverno de 2020-2021, o pior dia (19 de Janeiro, inserido na vaga de frio) registou 469 infecções respiratórias, das quais apenas oito episódios de gripe. Como termo de comparação, desde Novembro de 2016, o dia com mais infecções respiratórias contabilizadas foi 26 de Dezembro de 2017 com 2.629 casos, dos quais 383 gripes.

Embora não haja possibilidade de se fazer uma análise de correlação entre infecções respiratórias e testes positivos à covid-19 – uma vez que, no primeiro caso, são contabilizados apenas os episódios que chegam aos hospitais, enquanto no segundo caso se registam todos os testes com positividade, independentemente da gravidade da infecção –, observa-se uma evolução em paralelo. De facto, mesmo se em níveis anormalmente baixos para a época do ano, o número de infecções respiratórias em Dezembro andou sempre próximo de 300, encetando depois um crescimento ao longo de Janeiro, até ao dia 19, quando ultrapassou os 400 casos, invertendo a partir daí. Fenómeno idêntico se observou com o SARS-CoV-2 “apanhado” nos testes positivos à covid-19, embora com valores absolutos muitíssimo maiores e crescimento relativo bem superior. De facto, depois de uma subida vertiginosa, os testes positivos à covid-19 tiveram um decréscimo abrupto a partir da segunda quinzena de Janeiro, antes do encerramento das escolas. Tanto num caso como noutro, o mês de Fevereiro consolidou o forte decréscimo de actividade viral, tanto do SARS-CoV-2 como dos outros vírus (e bactérias, também) causadoras de infecções respiratórias. 

Se comparado com os valores registados em 1 de Dezembro de 2020, o decréscimo nos casos positivos de covid-19 é, aliás, mesmo muito superior à da redução observada nas infecções respiratórias. Significa isto que se as banais gripes estão “desaparecidas”, e de forma mais do que evidente – em metade dos dias desde 15 de Fevereiro o SNS não regista sequer um episódio gripal –, o SARS-CoV-2 mostra-se numa claríssima perda de actividade viral, confirmando o seu padrão de sazonalidade. Ou seja, não desaparece – e não deverá desaparecer, tal como outros vírus –, mas está sem capacidade de causar infecções em massa.

Por esse motivo, manter as restrições por mais um mês – sobretudo depois de um ano de flagelo social e económico, e de fracos apoios estatais a quem não tem rendimentos garantidos –, não é, nesta fase, uma questão de prudência; é sim um acto de sadismo sem vantagens para a Saúde Pública. Pelo contrário.

Fonte: DGS e SNS – Monitorização da Gripe e Outras Infecções Respiratórias

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