
O Governo e peritos insistem na manutenção das restrições, incluindo encerramento de escolas e fecho das actividades comerciais, como estratégia para salvar vidas. Porém, em primeira e última análise, se os lockdowns e demais proibições, que englobam mesmo assento em bancos de jardim, pretendem proteger os mais idosos dos infecções e da morte – por serem aqueles com maior taxa de letalidade –, a realidade mostra que isso não está a suceder. Nos últimos três meses, os maiores de 80 anos têm sido sempre os mais infectados, e um em cada 10 já tiveram casos positivos. Uma interpretação da evolução da pandemia indicia ser a situação de descontrolo dos lares que estará a agravar os números da pandemia. Na verdade, Portugal continua fechado porque a estratégia do Governo permite livre-trânsito ao SARS-CoV-2 para entrar nos lares. E para matar velhos.
Pedro Almeida Vieira

Pelo terceiro mês consecutivo, os mais idosos foram o grupo etário com maior incidência de covid-19. Apesar da quebra abrupta de casos positivos de infecção por SARS-CoV-2 em Fevereiro para todas as idades, o grupo mais vulnerável à nova doença (os maiores de 80 anos) continua a ser a mais desprotegida, justificando-se assim o crescimento abrupo de mortes por covid-19 no último trimestre e que colocou Portugal no sexto lugar dos países mais afectados pela pandemia, ultrapassando países como Espanha, Suécia e mesmo Brasil e Estados Unidos. Até finais de Fevereiro, um em cada 10 portugueses com mais de 80 anos tinha sido já infectado pelo novo coronavírus, sendo este o grupo que mais contribuiu para a mortalidade total, porque a taxa de letalidade (óbitos por casos positivos) se situa agora em 16,2%. Apesar de representarem apenas 6,5% da população portuguesa, este grupo contribuiu já com dois terços (66,3%) dos mortos atribuídos à covid-19.
De acordo com os dados disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), no mês passado foram infectadas mais 7.718 pessoas com mais de 80 anos, o que significa, face a uma população de ronda os 669 mil, uma taxa de incidência de 11,5 casos positivos por mil (‰). O segundo grupo com maior taxa de incidência foi o dos 20-29 anos, com 8,9‰, enquanto os adolescentes (10-19 anos) registaram 6,4‰. O grupo dos 70-79 anos – precedente aos maiores de 80 anos – registou em Fevereiro apenas 6,4‰. Tendo em consideração este contexto, e sabendo que a idade média dos utentes dos lares em Portugal é de 85 anos, estes valores indiciam que estas estruturas continuaram em Fevereiro a ser os principais focos de transmissão, impendentemente do encerramento das escolas. Recorde-se que o Governo português é um dos poucos que jamais realizou e publicou um relatório sobre a realidade dos lares, onde conste de forma discriminada os casos positivos, as hospitalizações e os óbitos dos utentes.

Embora com taxas de incidência maiores, os meses de Dezembro e (sobretudo) Janeiro já mostravam uma situação de maior exposição relativa dos mais idosos à covid-19 em comparação com os restantes grupos, incluindo mesmo os adolescentes e jovens adultos. No último mês de 2021, a taxa de incidência dos maiores de 80 anos cifrou-se em 16,9‰, subindo para 37,7‰ em Janeiro. Em confronto, o segundo grupo com maior incidência (adultos jovens entre os 20 e 29 anos) teve uma taxa de 16,8‰ em Dezembro e de 37,2‰ em Janeiro, enquanto nos adolescentes (10-19 anos) se contabilizou taxas de 10,8‰ e 26,8‰, respectivamente. Note-se que, apesar da queda abupta (menos 74%) nos casos positivos entre Janeiro e Fevereiro, essa evolução favorável foi menor no grupo dos maiores de 80 anos. Com efeito, nos adolescentes (10-19 anos) – que terão “beneficiado” do encerramento das escolas –, a redução entre aqueles dois meses foi de 78% e nos jovens adultos (20-29), que incluem estudantes universitários, a diminuição foi de 76%. Nos maiores de 80 anos, a redução foi de 69%.

Esta evolução da incidência acaba por demonstrar que a estratégia gizada nunca conseguiu verdadeiramente proteger os mais idosos (e vulneráveis), por mais que o Governo e certos peritos em modelação matemática desejem desviar a atenção para outras discussões fúteis – como a eficácia das restrições, incluindo o encerramento de escolas ou mesmo a imposição absurda de utilizar os bancos de jardim. De facto, em finais de Fevereiro os mais idosos estavam já preste a ultrapassar a taxa de incidência acumulada nos jovens adultos (20-29 anos), aqueles que, por regra, têm maior mobilidade e contactos sociais fora da esfera familiar. Esse grupo ainda lidera, registando uma taxa de incidência acumulada de 105,1‰ – ou seja, em cada 100 pessoas desta faixa etária um pouco mais de 10 terão tido contacto com o SARS-CoV-2. A margem de liderança está cada vez mais curta em relação aos maiores de 80 anos (99,8‰). A infecção dos mais idosos é, aliás, e de forma preocupante, muito maior do que a da faixa etária precedente (54,8‰ ou 5,48%), e mesmo do que a dos adolescentes (70,8‰ ou 7,08%). Mais um sinal da existência de um descontrolo nos lares, visto que um idoso com mais de 80 anos que não esteja institucionalizado terá a mesma probabilidade de ser infectado de um idoso (geralmente ainda não institucionalizado, mas já reformado) com idade entre os 70 e 79 anos. Isto significa que será o subgrupo dos utentes nos lares (cerca de 100 mil pessoas) que estarão com taxas de incidência elevadíssimas, puxando assim para cima a taxa média do grupo dos maiores de 80 anos. Como se sabe, o Governo e a DGS recusam divulgar a taxa de incidência nos lares.

O mês de Fevereiro teve também uma redução substancial no número total de óbitos atribuíos à covid-19 (3.594 contra 5.785 em Janeiro), mas os valores contabilizados deixam transparecer um deplorável legado do primeiro mês de 2021. Com efeito, tendo em consideração o conhecido desfasamento entre os casos positivos e o desfecho da doença – ou seja, uma parte substancial de óbitos registados num mês é de pessoas infectadas no mês anterior –, a taxa de letalidade calculada para Fevereiro foi muitíssimo elevada, sobretudo nos mais idosos. Face aos óbitos e casos positivos registados no último mês, a taxa de letalidade total foi de 4,6%, atingindo os 29,1% nos maiores de 80 anos e de 13,2% para o grupo entre os 70 e 79 anos. No entanto, estes valores pecam por excesso, devendo-se ao pico de casos positivos na segunda quinzena de Janeiro, porquanto a taxa de letalidade acumulada (desde Março de 2020) sofreu apenas um ligeiro agravamento: no final de Fevereiro passou a ser de 2,0% para o total dos casos positivos (era 1,8% em Janeiro), subindo nos maiores de 80 anos para 16,2% (14,6% em Janeiro), no grupo dos 70-79 anos para 6,5% (5,5% em Janeiro), no grupo dos 60-69 anos para 1,8% (1,5% em Janeiro) e no grupo dos 50-59 anos para 1,8% (1,5% em Janeiro), mantendo-se nulo ou estatisticamente irrelevante para os menores de 50 anos. Ou seja, nada indica que as famosas variantes, com destaque para a britânica, sejam mais letais.

Por fim, face à evolução da mortalidade atribuída à covid-19 confirma-se também que esta doença continua a ser apenas relevante para os idosos com mais de 80 anos – daí as consequências nefastas do descontrolo sobretudo nos lares. Considerando a população estimada pelo Instituto Nacional de Estatística por grupo etário, a covid-19 apresentava no final de Fevereiro (e desde Março de 2020) uma taxa de mortalidade de 1,6‰ (0,16%) – isto é, causou a morte de 16 pessoas em cada 10.000 portugueses. Note-se que a taxa de mortalidade em Portugal em 2020 por todas as causas rondou os 12‰ (1,2%). Apenas para os maiores de 80 anos, a taxa de mortalidade se mostra significativa, atingindo 16,2‰ (1,62%), baixando para os 3,5‰ (0,35%) para o grupo dos 70-79 anos, e cifrando-se nos 1,1‰ (0,11%) para o grupo dos 60-69 anos. Nas pessoas com idade entre os 50 e 59 anos, a covid-19 matou 30 em cada 10 mil (0,3‰ ou 0,03%), mostrando-se irrelevante ou estatisticamente nula como causa de morte nos menores de 50 anos.
Para estatísticas detalhadas por mês e grupo etário, sugere-se a consulta na secção ÁLGEBRAS

Fonte: DGS e INE. Estatísticas da responsabilidade de Pedro Almeida Vieira