Tiago Franco | Engenheiro de Software (Volvo Cars, Suécia)
Incomoda-me a falta de rigor na análise e o facilitismo dos rótulos. Incomoda-me o termo “negacionista”, e a forma como é aplicado sem grande critério em Portugal. Não que não existam, note-se, negacionistas. Mas a banalização do termo que, entretanto, passou a englobar toda e qualquer pessoa que não concorde com o confinamento ou os critérios do governo, torna a discussão impossível. E, na minha opinião, demonstra alguma limitação de raciocínio. Para ser simpático.
Partimos desta base: quem nega a existência do vírus é, por definição, um negacionista. Existem, estão identificados. Ponto. A discussão sobre isto termina aqui.
Quem tem opiniões diferentes sobre a forma de combater a pandemia, não é um negacionista; é só alguém com uma opinião. Para ti, até pode ser apenas um idiota, ou alguém cuja opinião é ridícula, mas continua a não ser um negacionista. Levando essa teoria ao absurdo, e ao facilitismo com que se enche o saco do negacionismo em Portugal, poderíamos então dizer que, dadas as diferentes abordagens feitas por cerca de 200 países, espalhados por cinco continentes, no limite, todos os que não seguissem exactamente a opção lusitana seriam…negacionistas.
Assim de repente, parece ser muita gente, não é? Portanto, talvez seja uma boa ideia voltarmos a centrar o debate nas opiniões, e não nos rótulos salvadores, quando a realidade já não bate com a história em que acreditamos.
Assim, vamos falar de coisas sérias. O confinamento deixa a sociedade de rastos. Seja pelas necessidades mais imediatas, como o emprego ou pelos efeitos na saúde mental. É altamente prejudicial para as crianças que ficam retidas, o dia todo, em frente a ecrãs; seja o da Playstation, enquanto os pais trabalham, seja o do computador da escola, naquele simulacro de aulas.
O trabalho online deu às empresas, por outro lado, a visão de como poupar ainda mais, atirando despesas para os empregados, aumentando os seus lucros e mantendo os salários. Seguradoras como a Liberty, por exemplo, já anunciaram que o trabalho online é para manter. Outras se seguirão porque, não é novidade, o lucro regula a vida.
Ao dia de hoje, o maior grupo de risco ainda não está completamente vacinado, mas, a parte da população saudável está obrigada a trabalhar (para quem pode), mas a confinar nos períodos de lazer. Alguém poderá achar que este era o melhor caminho, quiçá até o único. Eu não acho. Nunca achei. E espero que isso não faça de mim um negacionista.
Há vários meses que defendo uma abordagem parecida com a sueca. Responsabilidade para a população, distanciamento físico, restrições em espaços fechados, educação dos “actores deste filme”, para que cada um saiba o seu papel. Mas nunca uma perda da liberdade de movimentos ou uma caca com cedilha (embora sem cedilha também sirva) à multa ao ar livre.
E por favor, não insistam na teoria que são países diferentes, com densidades populacionais distintas, e que os nórdicos cumprem e nós somos uns bandalhos. A sério, chega dessa conversa. No fim das contas somos todos humanos que percebem o básico: morrer não é bom. Não precisamos de ter um polícia a correr atrás das pessoas no areal da Costa da Caparica para lhes dizer que devem respeitar o distanciamento. Ou a multar quem muda de concelho, sozinho, dentro do seu próprio carro.
E a história da densidade populacional… por favoooooooor… A Suécia tem 2.300 km de extensão, se a memória não me falha, mais de 70% da população está espalhada nos primeiros 600 km, que separam Malmö de Estocolmo. Assim de repente, lembram-se de mais algum território com 8 ou 9 milhões dispersos por 600 km? Pois, é isso: Portugal.
Recentemente tive a prova empírica de como o distanciamento pode fazer a diferença. Há mais de um ano que jogo padel, todas as semanas, quase todos os dias. É a única ocasião nos dias de hoje em que encontro desconhecidos. Sei do risco, mas a alternativa é endoidecer em casa.
Para minimizar as chances de ser contaminado cumpro, à risca, as indicações da DGS local. Distanciamento, limpeza das mãos, etc.. Nunca coloco o meu equipamento perto de ninguém, não me aproximo de qualquer jogador, nunca toco nos olhos, nariz ou boca durante o jogo e, se a bola estiver entre mim e o meu parceiro, mais depressa perco o ponto do que me aproximo dele.
Há cerca de duas semanas fui jogar com três colegas de trabalho. Todos infectados, naquele dia e naquele jogo, soube uma semana depois. Eu não fui infectado. Se isto não servir para provar que o distanciamento é a chave, não sei o que servirá.
Temos que perceber, algures no tempo, que andamos a viver um filme onde poucos, com boas casas e salários garantidos, acham que o mundo pode, como eles, esperar ad aeternum. Não pode.
Os números são claros e, tal como as ancas da Shakira, não costumam mentir. Especialmente quando nos chegam através do INE ou do SCB.
Discordem, contestem, mas não reduzam as evidências ao negacionismo. É confrangedor.