Carlos M. Fernandes | Investigador Científico
Quando Camões, na estância 16 do primeiro canto d’Os Lusíadas, diz «gesto belo e tenro», está a referir-se ao rosto de D. Sebastião. Esta aproximação dos termos gesto e rosto, que o poeta foi buscar à etimologia latina do primeiro, é a imagem perfeita do que está realmente em causa no apelo insano à universalização das máscaras. Ao contrário do que argumentam os mais preguiçosos (e preconceituosos) defensores da ideia, na rejeição do uso compulsivo e generalizado das máscaras não se encontra radicada uma escolha entre comodidade e desconforto, e muito menos se pode deduzir, como pretendem os novos moralistas, uma índole egoísta nos adversários das normas pseudo-sanitárias. A questão nem sequer se circunscreve à liberdade e ao direito à imagem, embora nunca se possa dissociar desses princípios. A erudição de Camões aponta-nos o sentido certo e definitivo.
É no rosto que guardamos o repertório de gestos mais expressivos. O rosto comunica: atrai ou apela à rejeição, fomenta simpatia ou aversão, empatia ou precaução, interesse ou indiferença. Na expressão física dos demais, as crianças encontram um meio fundamental para o seu desenvolvimento neurológico. Ao taparmos a cara, ficamos privados do principal escaparate da nossa condição. As máscaras sanitárias, quando usadas fora do contexto adequado, são, tal qual, um par de algemas, instrumentos de opressão.
Em suma, a máscara desumaniza. E a desumanização, como é sabido, a diluição dos homens na massa informe da Humanidade, é o propósito do totalitarismo. Sem o amplo espaço de possibilidades aberto pela comunicação facial, e afastados do espaço público onde esse diálogo se desenrola, resta-nos a palavra escrita. No entanto, como esta tão-pouco tem sido bem tratada nos últimos meses, a pergunta-se impõe-se com naturalidade: até quando poderemos exprimir-nos livremente? Em resposta a esta dúvida, alguns dirão, e porventura com razão, que esse privilégio já nos está vedado.