Quinta-feira, Dezembro 5, 2024
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Dos jornalistas ‘comprados’ e dos jornalistas ‘à borla’ – Elisabete Tavares

Elisabete Tavares | Jornalista e membro da Plataforma Cívica – Cidadania XXI

Correu a notícia de que há jornalistas a serem recrutados por empresas não-jornalísticas para escrever notícias sobre a covid-19, e a receberem por artigo que conseguissem publicar em jornais. O assunto levou o Grupo Parlamentar do Partido Socialista a chamar dois jornalistas ao Parlamento para esclarecer o caso, o que provocou uma certa curiosidade. [O PS só chamaria ao Parlamento dois jornalistas se o resultado lhe fosse, de algum modo, favorável politicamente. Certo?]

Aparentemente, segundo noticiado, um modelo do Porto terá sido recrutado por alguém que queria pagar a jornalistas para escrever notícias ‘tendenciosas’ sobre a covid-19. Alegadamente, o modelo era voluntário num grupo anti-5G, do qual também faria parte um professor de Física da Universidade de Évora. Não se sabe quem contratou o tal modelo. Pode-se sempre especular. (Quem mais ganharia com esta tática?)

Certo é que o tema acabou por entrar na ordem do dia, e chega esta terça-feira, dia 13 de Abril, ao Parlamento numa audição conjunta de duas comissões parlamentares. Também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social vai ser ouvida, a pedido do PCP.

Uma coisa é certa: não é preciso contratar jornalistas para escreverem ‘tendenciosamente’ sobre a covid-19. Alguns já o fazem desde Março de 2020.  

Frases como “António Costa obrigado a fechar o país” passaram a ser o novo normal nas TVs em Portugal. Infelizmente, para o jornalismo e para os portugueses. Fechar o país foi uma opção do Governo. Podia ter adotado outro tipo de medidas mais convencionais – como a Suécia – mas tem escolhido impor medidas drásticas e radicais. Não cabe ao jornalista defender as opções do Governo.

Qualquer jornalista que ame a profissão cora de vergonha com as conferências de imprensa do primeiro-ministro António Costa ou da Direcção-Geral da Saúde (DGS), por exemplo. A maioria das perguntas é mais do género: “E podemos beber café na esplanada ou também pode ser um Sumol?”; “E podemos beber com palhinha?”; ou “Podemos sentar quatro à mesa ou vão reduzir para três?” [Estou a ser sarcástica, obviamente.]

Raras vezes surgem perguntas como “quantos testes estão exatamente a ser efetuados em Portugal esta semana?” – e comparar os dados com a evolução dos ‘casos positivos’ – ou sobre “por que motivo Portugal tem piores resultados do que a Suécia que nunca confinou e mantém tudo aberto”. 

Do mesmo modo, a maioria das aberturas dos telejornais vai no sentido de incutir o medo e o pânico. Porque foi esta a estratégia seguida pelas autoridades em Portugal. A tese é de que se o ‘povo ignorante’ tiver medo, ‘vai obedecer’. Mesmo se as regras impostas forem totalmente absurdas ou descabidas. Mesmo se as medidas estiverem a causar mais mortos e danos colaterais vários do que em outros países. Em todo o caso, não cabe aos jornalistas espalharem o terror pela população. Mesmo que seja essa a estratégia deste ou de qualquer Governo. 

Contextualizar as estatísticas da DGS tornou-se um tema tabu. Ter convidados nos noticiários diversificados e com opiniões diferentes, nem pensar! Que heresia, neste Portugal de 2021! [De vez em quando chama-se um ou outro para disfarçar.]

É comum ver escrito “a crise provocada pela pandemia” ao invés de “a crise provocada pelas medidas adotadas” pelo Governo. É comum ouvir “infetados” ao invés de “positivos” ou “casos diagnosticados” – até para evitar uma discriminação negativa sobre os doentes com covid-19, à semelhança do que se fez com os doentes com HIV. 

Também ainda é comum ver escrito “mortes de covid” quando na realidade são “mortes atribuídas a covid”. Por exemplo, um doente terminal que teste positivo a covid-19, se falecer, o seu óbito é atribuído a ‘covid’. Mesmo que não tenha morrido devido à doença. Mesmo que se tratasse de um teste RT-PCR feito a mais de 40 ciclos, ou que apenas tivesse havido ‘suspeita’ de que tinha a doença. O rigor é relevante. Ainda.

Já para não falar que, para muitos jornalistas, qualquer defensor de uma estratégia de gestão sanitária ponderada e proporcional é negacionista – mesmo que seja um Prémio Nobel, um professor de Harvard ou um dos cientistas mais brilhantes e citados da sua especialidade. E, cuidado, que até pode ser de ‘extrema-esquerda’ ou de ‘extrema-direita’!

Vale a pena mencionar os jornalistas que promoveram as ameaças à população do responsável máximo da PSP? Ou os jornalistas que promoveram os apelos das polícias para os portugueses denunciarem outros portugueses, fossem vizinhos, amigos, familiares ou desconhecidos – a fazer lembrar tempos de má memória? E vale a pena mencionar os jornalistas que fizeram diretos a ‘envergonhar’ todos os portugueses que passeavam na marginal ou à beira-mar? E os jornalistas que fizeram reportagens em postos de controlo policiais ilegais… sem mencionar a sua ilegalidade?

E os jornalistas que chamaram ‘negacionistas’ aos manifestantes que participaram na manifestação em Lisboa no dia 20 de Março? E os jornalistas que noticiaram que um organizador da manifestação ‘testou positivo’? E os jornalistas que chamaram ‘negacionista’ ao juiz Rui Fonseca e Castro e deturparam o que se passou em tribunal? E os jornalistas que escreveram notícias claramente tendenciosas sobre a atriz Sandra Celas por esta ter participado numa manifestação?

Há ainda a juntar os ‘polígrafos’ e as rubricas de suposto ‘fact-checking’. Acertam umas vezes, mas são completamente estapafúrdios em outras, chegando a dar voltas e voltas – no mínimo cómicas – para concluir o que pretendem.

Um jornalista que aceite ser pago para escrever notícias ‘por encomenda’ está a violar de forma extremamente grave o Código Deontológico. 

Um jornalista que seja um mero agente de propaganda e apenas divulgue notícias alinhadas com qualquer Governo ou autoridade também viola o Código Deontológico. A diferença é que este jornalista não será escrutinado. Pelo contrário. Será aplaudido, sobretudo pelas autoridades. O que, como qualquer jornalista sabe, é sempre um péssimo sinal. Para o jornalista. Para o órgão de comunicação social em questão. Mas, sobretudo, para o jornalismo. E para Portugal.

Links relevantes:

https://www.dn.pt/opiniao/o-jornalismo-sobre-a-covid-19-e-corrupto-13411040.html

https://www.dinheirovivo.pt/geral/membro-de-grupo-anti-5g-tenta-recrutar-e-manipular-jornalistas-sobre-a-covid-fui-contratado-13419607.html

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