Pedro Almeida Vieira | Engenheiro Biofísico e Economista
Os jornalistas são, nesta pandemia, a espécie mais vergonhosa de personagens que me assiste ver. A ignorância fundiu-se com a pornográfica exploração do macabro. Tudo aquilo que dali sai é falso – não nas imagens, que são reais; mas no “sentimento”, no âmago daquilo que deveria ser o jornalismo.
A Imprensa, ao logo desta pandemia, foi voando de país em país à “caça” de “imagens”, do uso do sofrimento. No caso português, os problemas dos outros países, de maior dimensão, serviram mesmo para mascarar a realidade portuguesa, que a Imprensa – agradecida ao Governo por os salvar da bancarrota – quis esconder. Acabado o espectáculo da covid-19 (porque terminará, quer a vacina seja ou não eficaz), todos os jornalistas regressarão ao seu quotidiano, cosmopolita. De consciência tranquila, porque os ignorantes dormem bem.
O caso da Índia choca-me sobretudo pela exploração do macabro, pois para a Imprensa as cremações ao ar livre (por razões religiosas) são mais apetitosas do que casas mortuárias cheias ou valas comuns com caixões.
A Índia é apresentada, pelos jornalistas, como o expoente de uma tragédia que atingiu um mundo perfeito. Crápulas!
Meus caros, a Índia nunca foi perfeita, nem há qualquer tragédia, porque as tragédias são eventos incomuns, e aquilo que se passa na Índia é o triste e lamentável quotidiano. Se aquilo é uma tragédia, o que havia antes da covid era uma tragédia, e não é preciso lançar os búzios do Carlos Antunes para saber que depois da covid o quotidiano da Índia (e de muitos outros países) manter-se-á trágico.
Se acham grave que estejam a morrer cerca de 3.000 pessoas por dia na última semana na Índia, que me dizem então dos 1,2 milhões de indianos que morrem por ano apenas por causa de problemas de poluição?
Parece-vos pouco assim, escrito “1,2 milhões por ano”? Então eu coloco de outra forma então: são 3.288 mortes em cada um dos 365 dias de um ano… Na primeira segunda-feira do ano, na primeira terça-feira do ano. Na primeira quarta-feira do ano. Na primeira quinta-feira do ano. Na primeira sexta-feira do ano. No primeiro sábado do ano. No primeiro domingo do ano. Na segunda segunda-feira do ano… e por aí fora, sempre o mesmo, até ao dia 31 de Dezembro. E continuando tudo igual, mais 3.288 cadáveres por causa apenas da poluição, no dia 1 de Janeiro do ano seguinte.
Olha! Mas então, e nessas ocasiões, não há “cremações em massa”? Não já “colapsos nos hospitais”? Não há o diabo a quatro?
Provavelmente, há. Até porque, em média, na Índia morrem 27.320 pessoas por dia de todas as causas, de todas as doenças, de todas as pobrezas. De tudo aquilo que este jornalismo-abutre tratará de esquecer quando a Índia deixar de ser útil para uma Narrativa hipócrita.