1 – Embora apresentado em 6 de Novembro de 2018, o Polígrafo nasceu pelos esforços de três “pais”: os antigos jornalistas e colegas Fernando Esteves, Ricardo Fonseca e João Paulo Vieira constituíram formalmente, em 12 de Outubro, a sociedade por quotas Inevitável e Fundamental Lda.. Enquanto Fernando Esteves assumia a maioria da quota individualmente (70%), os outros dois entraram através da empresa de ambos, a Conta-me Histórias Lda. com 30%.
2 – No dia do lançamento do Polígrafo, Ricardo Fonseca divulgava no seu perfil do FB os festejos dos três amigos na criação desta plataforma de fact-checking, relatando a sua génese. Mostra-se patente a cumplicidade dos três. As duas empresas – Conta-me Histórias Lda. e Inevitável e Fundamental Lda. (dona do Polígrafo) – passaram a partilhar a mesma sede.
3 – Apesar da posição maioritária, Fernando Esteves não manteve formalmente o domínio da empresa dona do Polígrafo. O único gerente da Inevitável e Fundamental era então Ricardo Fonseca, sendo que Fernando Esteves ocupou o cargo de director do Polígrafo, embora Ricardo Fonseca tenha sido indicado como responsável editorial junto da ERC – cargo que somente desde ontem, depois da minha denúncia, deixou de ocupar. A ERC aceitou assim, durante dois anos e meio, como responsável editorial do Polígrafo uma pessoa sem carteira profissional de jornalista e, pior ainda, sócio de uma empresa de comunicação (Conta-me Histórias Lda.).
4 – Aquando do lançamento do Polígrafo, a Emerald Group foi apontada como accionista da empresa detentora deste projecto de fact-checking. A Emerald Group é “uma empresa de consultoria financeira sediada no Dubai, que tem interesses nas mais diversas áreas, incluindo os media” (cf. notícia do Público de 06/11/2018). Porém, no Portal da Justiça, apenas em 5 de Fevereiro de 2020 a Emerald Europe Lda. surge como accionista da empresa do Polígrafo (30% do capital), ficando Fernando Esteves com 49% e a Conta-me Histórias Lda. com 21%. A partir daí a empresa detentora do Polígrafo passa a ter uma gerência tripartida: Fernando Esteves, João Paulo Vieira e Cristiana Nóbrega da Silva. Desta forma, Ricardo Fonseca saiu da gerência da Inevitável e Fundamental Lda. mas manteve-se como responsável editorial do Polígrafo perante a ERC.
5 – Um aspecto curioso: Fernando Esteves criou, em Maio de 2018, uma outra empresa com a Conta-me Histórias Lda. e a Sun Capital SGPS: a Easyquadrant, Lda. O objecto social desta empresta é o seguinte: “Edições de jornais, revistas e outras publicações periódicas em suporte físico ou digital, edições multimédia, atividade de televisão”. Não se conhece nenhuma actividade relevante desta empresa sediada no Porto.
6 – Apesar de a empresa Conta-me Histórias Lda. – que publicamente se apresenta sobretudo através de marca B. creative media – se ter assumido, aquando da formação do Polígrafo, como uma “produtora de audiovisuais” (http://www.bcreativemedia.pt/), mostra-se evidente ser também uma agência de comunicação pura e dura. Uma vez que não se possível aceder aos contratos com empresas privadas (entre as quais o Novo Banco, Jerónimo Martins, EDP, NOS, Grupo José de Mello, REN e diversos órgãos de comunicação), a única forma que se pode aferir da sua actividade como agência de comunicação é a consulta dos três contratos públicos com a Câmara Municipal de Lisboa: 1º) em 29/11/2018 houve um contrato de 72.650 euros para serviço de criação e desenvolvimento da marca, organização de evento promocional e respectivo plano de comunicação pública e estratégia de comunicação do website e APP no âmbito do projeto LX Romana; 2º) em 09/07/2019 um novo contrato foi assinado, no valor de 16.030 euros, para serviço de consultoria de comunicação no âmbito do Festival de Arte Urbana de Lisboa – MURO; 3º) um contrato foi assinado para a gestão de redes sociais no âmbito do Projeto LX Romana|Felicias Iulia Olisipo, no valor de 42.000 euros. Algumas destas actividades, alvo de contrato, ainda estão em curso.
7 – Note-se que, por exemplo, apenas desde 18 de Março de 2021 o Polígrafo já abordou por 15 vezes questões polémicas relacionadas com a Câmara Municipal de Lisboa e autarcas do PS, incluindo Fernando Medina, sem nunca sequer fazer referência ao facto de a Câmara Municipal ter relações contratuais com accionistas do Polígrafo e sobretudo com gerentes da empresa detentora do Polígrafo. Nunca houve disclaimers. Nem para a Câmara Municipal de Lisboa nem em relação aos clientes dos accionistas do Polígrafo.
8 – Em breve, comprometo-me a analisar alguns estranhos enviesamentos das análises do Polígrafo em relação à Câmara Municipal de Lisboa. Procurarei também apurar se, durante o período de actividade do Polígrafo, houve análises que tenham envolvido clientes da Conta-me Histórias Lda. (e da sua marca B. creative media).
9 – Por outro lado, Fernando Esteves, já como director do Polígrafo, obteve por ajuste directo uma encomenda em 3 de Dezembro de 2018 para a elaboração e edição de um livro sobre “o tratamento inovador de Hepatite C no Centro Hospitalar de Lisboa Norte” no valor de 24.185,69 euros, IVA incluído (http://www.base.gov.pt/base2/rest/documentos/571191), uma actividade incompatível com o estatuto de jornalista – e de um fact-checking nem vale a pena falar. Apenas 11 dias após a assinatura deste contrato, o Polígrafo publicaria uma análise, não assinada, favorável à administração do centro hospitalar onde se insere o Hospital de Santa Maria (vd. aqui: https://poligrafo.sapo.pt/…/ja-morreram-pessoas-no…). Curiosamente, este contrato para a feitura de um livro deste género por Fernando Esteves mostra-se muito estranho, porque em 7 de Dezembro de 2018 (apenas quatro dias depois do contrato que beneficiou o director do Polígrafo) estava o Director do Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, Rui Tato Marinho, a apresentar um livro intitulado “Hepatite C – O Futuro Começou Aqui”, que “enaltece o trabalho vanguardista do Hospital de Santa Maria e da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa no tratamento desta patologia” (vd. vídeo: https://youtu.be/CU5WoLSrRsU). Houve até uma conferência de apresentação (vd. aqui: https://www.newsfarma.pt/…/HepatiteC_OFuturoComecouAqui…) Portanto, é legítimo perguntar: que raio de livro produziu Fernando Esteves quando já era director do Polígrafo?
(Parte 2)