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NOVELA “POLÍGRAFO” (02/12) – DO GHOST WRITER QUE NADA ESCREVEU E QUE SÓ GANHOU CORPO PARA RECEBER A MASSA

Pedro Almeida Vieira | Economista e Engenheiro Biofisico

Pedro Almeida Vieira

A Fernando Esteves, actual director do Polígrafo, foi concedido em 3 de Dezembro de 2018 o direito de usufruir de um ajuste directo por parte do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN) no valor de 19.700 euros, acrescido de IVA, eventualmente dedutível, o que totalizou 24.185,69 euros.

Este ajuste directo surgiu na sequência de um despacho do então vogal do Conselho de Administração do CHULN de 23 de Novembro daquele ano, autorizando a abertura do dito ajuste directo com vista à “aquisição de serviços ‘de elaboração e edição de livros sobre o tratamento inovador de Hepatite C” no dito centro hospitalar.

À data deste procedimento administrativo (03/12/2018) – que deveria ser prévio à “empreitada” –, dois problemas se colocavam:

1) o Polígrafo já estavam a funcionar, tendo como director Fernando Esteves, sendo que a escrita de livros institucionais é incompatível com a função de jornalista; 2) existiria já em formato físico um livro do CHULN, intitulado “Hepatite C: o futuro começa aqui”, que veio a ser lançado, em cerimónia pública, no dia 7 de Dezembro de 2018 na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Ou seja, o livro encomendado por ajuste directo já o era antes de o ser.

Fernando Esteves, no longo testemunho de 12 páginas que me endereçou, mostra-se surpreendido por eu achar estranho este ajuste directo. “Concretamente sobre o livro, o que aconteceu foi que eu o produzi entre Junho e Outubro de 2018, antes de lançar o Polígrafo e numa altura em que tinha a carteira profissional suspensa. Por motivos que obviamente me escapam, o contrato só foi publicado no Base naquela data e com aquela data de adjudicação. O Pedro não é um estagiário que acabou de aterrar no mundo da contratação pública. Sabe que a publicação tardia dos contratos no portal é um procedimento mais do que comum. Alguns são publicados um ano depois. Este teve uma décalage de uns meses. Como imagina, nem reparei nisso”, escreveu-me Fernando Esteves.

Primeiro, tem de se esclarecer que não houve qualquer atraso na publicação deste procedimento no Base (a base de dados de contratação pública). O ajuste directo, que prescindiu da “redução a escrito do contrato” (ou seja, foi um contrato de “boca”) foi assinado no dia 3 de Dezembro de 2018 e foi publicado no dia 6 de Dezembro desse ano. Ou seja, passaram apenas 3 dias. No dia 7 de Dezembro de 2018, ou seja, um dia depois de sair publicada a decisão do ajuste directo, a obra foi lançada publicamente. Quanto a fazer-se um ajuste directo depois da obra estar feita, pode ser prática comum numa empresa privada, não pode, nem deve ser legal, na contratação pública.

Mas sigamos para a parte mais sumarenta.

Fernando Esteves garante que produziu o livro entre Junho e Outubro de 2018, quando tinha suspensa a carteira profissional de jornalista. E eu vou mesmo acreditar nisso (não estou a ser irónica). Mas decidi também ir ver esta “magnus opus” de Fernando Esteves – ou seja, consultar o livro, um rotundo sucesso editorial, tanto assim que me obrigou a seguir até á Biblioteca Nacional. Eis o que descobri sobre o produto de uma “elaboração e edição que lhe valeu 24.185,69 euros (IVA incluído):

1) A dita obra, intitulada “Hepatite C: o futuro começou aqui”, não tem o nome do putativo autor, Fernando Esteves. Uma injustiça ou modéstia do autor.

2) Na ficha técnica temos as seguintes indicações:

a. Edição: Paula Ferreirinha

b. Coordenação: Paula Ferreirinha (então responsável pelo Gabinete de Comunicação e Relações Públicas do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte)

c. Design: Daniel Neves

d. Revisão: Manuela Gonzaga e Sónia Graça

e. Impressão: Cafilesa – Soluções Gráficas, Lda.

Portanto, uma injustiça ou modéstia do autor não ter sequer o seu nome na Ficha Técnica.

3) O livro é, na sua essência – na verdade, exclusivamente –, um mero repositório de testemunhos/depoimentos, sobretudo de médicos, profissionais de saúde e ex-políticos, bem como de doentes ou seus familiares. Por exemplo, surge o depoimento de Cristina Avides Moreiras, mulher de Zé Pedro, falecido guitarrista dos Xutos & Pontapés, que, logo no início do testemunho, agradece o convite formulado pelo “Dr. Rui Tato Marinho” para escrever sobre esta matéria. Surgem ainda algumas páginas com recortes de imprensa e o memorando negocial que viabilizou o tratamento inovador contra a hepatite C. Portanto, acreditando que os testemunhos, alguns de índole técnica, com bibliografia, foram escritos pelos autores, convenhamos que, formalmente, há zero originar palavras escritas pelo punho de Fernando Esteves.

4) Aquando da apresentação pública do livro, no dia 7 de Dezembro de 2018, foi realizada uma conferência que durou toda a manhã. Em três dos painéis estiveram três jornalistas ou ex-jornalistas (Paula Rebelo, RTP), Dulce Salzedas (SIC) e Leonor Figueiredo (antiga jornalista do Diário de Notícias, a primeira a noticiar a hepatite C em Portugal). De Fernando Esteves, nem vivalma (vd. aqui: https://www.newsfarma.pt/…/HepatiteC_OFuturoComecouAqui…)

5) And last but not the least, a cereja no topo do bolo, a editora e coordenadora do livro, Paula Ferreirinha, então assessora do Conselho de Administração, era responsável pelo Gabinete de Comunicação e Relações Públicas do CHULN, bem como editora da revista institucional “Lisboa Norte”, de apuro gráfico e com esmera apresentação noticiosa. Teria ela certamente, até pelo passado profissional que julgo ela ter [aguardo confirmação de alguns pormenores] uma panóplia de contactos e detinha as ferramentas suficientes para fazer coordenadar e editar sozinha um livro deste género (como parace ter feito). Já agora, a cobertura do lançamento da obra saiu na ediçao de Janeiro de 2019 no “Lisboa Norte”. Nas diversas páginas, nada sobre Fernando Esteves (https://www.chln.pt/…/gabinete…/Lisboa_Norte_6.pdf)

𝘾𝙊𝙉𝘾𝙇𝙐𝙎𝘼̃𝙊: A única coisa que consegui publicamente confirmar nesta estranha e rocambolesca história do ajuste directo e da “magnum opus” de Fernando Esteves é ter ele recebido mesmo 24.185,69 euros. Provas evidentes de ter cumprido das tarefas de “elaboração e edição de livros sobre o tratamento inovador de Hepatite C”, nem com lupa nem microscópio tal alcancei. Não aparece o seu nome na capa do livro,. Não aparece na ficha técnica. Não aparece em qualquer evento relacionado com o livro. Nada, nadinha. E provas da necessidade de uma pessoa como ele para esta tarefa – a única com capacidades para tal, daí o ajuste directo? Népia, nanja. Só se sabe, então, que saíram dinheiros públicos de um hospital para a conta pessoal de Fernando Esteves em troca de nada descortinável e palpável.

Ah! e “livros” não é gralha; no ajuste directo, está lá mesmo no plural no ajuste directo.

Mas, que interessa isso? Quem não faz nenhum, ter prometido que faz um ou mil é igual ao litro. Ou, para distorcer, segundo o Polígrafo, será quase igual ao metro cúbico.

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