Quinta-feira, Dezembro 5, 2024
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O meu bullying é mais bonzinho do que o teu – Elisabete Tavares

Elisabete Tavares | Jornalista e membro da Plataforma Cívica – Cidadania XXI

E tratar alguém por ‘chalupa’ não é ‘bullying’? 

Não há um ‘bullying’ bom e um ‘bullying mau’. ‘Bullying’ é ‘bullying’. Seja em privado ou em público. Seja qual for o motivo. Não deixa de ser um ato de violência contra outro ser humano. Deixa marcas. Magoa. Humilha.

No último ano, vários personagens têm lucrado e somado seguidores à custa de espalharem ódio, insultos e de rebaixarem e humilharem terceiros que discordam da estratégia seguida pelo Governo. Falo de bloggers, figuras públicas e outros personagens que insultam nas redes sociais, nas TVs e rádios todos os que defendem uma outra gestão da epidemia em Portugal. 

Um dos termos mais usado para ofender e humilhar é ‘chalupa’. Outro é ‘negacionista’. Como não sigo tais influencers ou personagens nas redes (nem nas TVs ou rádios), só recentemente tive contacto com o termo ‘chalupa’. Pareceu-me tão básico na altura como me parece hoje. E diz muito sobre quem o utiliza. Sobretudo, faz lembrar aquele ‘bullying’  pouco inteligente dos ‘grunhos’ da escola secundária. Aqueles que se acham fortes a chamar nomes e perseguir os ‘diferentes’, os ‘caixa de óculos’ ou os ‘gordinhos’.  Mais básico e triste é difícil.

Mas, além da necessidade de rebaixar outrem, há também a componente do discurso de incentivo ao ódio e de zanga, de raiva. 

Rita Marrafa de Carvalho, jornalista da estação pública de televisão, é uma das que nas redes sociais utiliza o termo ‘chalupa’ para humilhar e assediar os que se opõem à estratégia de gestão da epidemia em Portugal. Nomes ofensivos que visam rebaixar e intimidar e considerações mais típicas de ambientes de escola secundária, continuam a servir para atrair seguidores e gostos. Segundo as notícias, a jornalista da RTP veio expor uma situação pessoal em que terá sido alvo de ‘bullying’. É uma situação terrível e lamento muito que tenha passado por ela. Mas é curioso que ela própria, uma vítima, se tenha tornado em agressora nas redes sociais ao humilhar e tentar difamar os que defendem uma estratégia diferente da gestão da epidemia. 

Mas, o pior não é os influencers ou personagens ‘bullies’ deste mundo novo de redes sociais e linchamentos na Internet. Uma das questões que mais me tem chocado nas redes sociais, durante a epidemia, é a forma como amigos e pessoas por quem tinha estima e admiração passaram a ser seguidores daquele tipo de personagens que ganham fama à custa, sobretudo, de humilharem e ofenderem outros seres humanos. Alguns recorrem ao melodrama e ao espalhar do terror. Alguns mentem descaradamente (é ver os dados sobre ocupação hospitalar divulgados por Pedro Almeida Vieira que desmentem alguns influencers). Outros insultam e achincalham, difamam e ridicularizam os seus alvos favoritos. Incentivam e promovem o ódio aos que se opõem à gestão da crise na saúde.  

Que haja seres humanos que procuram a fama à custa de humilhar e assediar outros, isso não me surpreende. Nem que utilizem ferramentas simples e básicas de manipulação das emoções para captar gostos e partilhas. O que me surpreende é ver a quantidade de outros seres humanos, alguns muito instruídos e com boa formação, que se tornam seus fãs, que partilham os seus insultos e espalham o ‘bullying’ pelas redes.

O que é mais peculiar em tudo isto, é que muitos dos agressores nas redes durante a epidemia são também os que promovem a ideia de que “são bons cidadãos, cumpridores”, que “usam máscara e tomam a vacina para se proteger a si e aos outros”, que “ficam em casa para salvar pessoas”. Tudo boa gente, portanto. Tudo gente boa. Contudo, nos seus posts e comentários há ódio, apelos à censura e espanto por ainda ser permitido existir debate, discussão científica e opinião em pleno século XXI. E o pior é que toda uma multidão de pessoas supostamente ‘bem-educadas’ e ‘boas pessoas’ os seguem. Isso é que é preocupante. Os ‘bullies’, são ‘bullies’. Agora, os que assistem e aplaudem o ‘bullying’ são cúmplices e incitam a que haja mais e mais agressões. Incentivam o agressor a manter o comportamento e a acreditar que está a agir corretamente. Estes ‘bons cidadãos’ são os que considero perigosos. No seu ‘anonimato’ de seguidores, são instigadores. E não o assumem.  Vão, por isso, continuar com o seu objetivo ‘sério’ e ‘nobre’ de humilhar e insultar todos os ‘chalupas’ existentes à face da terra (“plana”, obviamente). 

O que os utilizadores das redes, os ouvintes das rádios e os telespetadores deveriam exigir era o fim dos insultos e do ‘bullying’ e aplaudir argumentos lógicos, com factos e discussão científica e debate. O ambiente nas redes sociais, nas TVs e nas rádios seria muito mais saudável . Haverá sempre ‘bullies’. Mas que sejam cada vez menos e tenham cada vez menos audiência. E menos seguidores a aplaudir. 

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