Tiago Franco | Engenheiro de Software (Volvo Cars, Suécia)
Já nem discuto as regras. Já desisti de olhar para gráficos. Dou de barato tudo o que me obrigam a fazer por causa do covid e, claro, obedeco para que não me chamem negacionista.
Na Suécia, governo e autoridades de saúde, deram uma conferência de imprensa de quase 1h para explicarem as semanas que se seguem. A partir de 1 de Junho levantam as restricões, ou seja, aumentam os horários do comércio, o número de pessoas em festas privadas, os eventos culturais e desportivos, etc. Um país que nunca fechou, e que vai agora chegando ao fim da terceira vaga (julgo que não lhes perdi a conta, mas é possível), assim que vê um alívio nas unidades de cuidados intensivos, volta a alargar critérios.
Com as mortes em baixa há meses e as UCIs com camas livres (os dois critérios que verdadeiramente contam nesta fase), o país que nunca fechou, tenta normalizar ainda mais a vida da populacão.Percebendo muito pouco disto, consigo entender este efeito de mola no abre/restringe consoante a disponibilidade do SNS. É o que vejo ser feito por aqui desde Marco de 2020.
Já ninguém se lembra que o governo sueco matava velhos no inícioda pandemia e, aos poucos, comecam a chegar relatos de todo o mundo a defender o equilíbrio do combate à pandemia. Devo realcar também que, nem nos piores momentos da infecão, os residentes foram obrigados a testar fosse o que fosse para regressarem a casa.
Assim que o Governo falou, o meu empregador ofereceu-se para ajudar a vacinar milhares de empregados e pediu-nos que voltássemos para o escritório já esta semana.
Ora, de Portugal, a minha casa, não consigo dizer o mesmo. Aliás, é exactamente na parte da coerência que opto por não justificar o injustificável. Comecei por dizer que já desistira de perceber ou discutir as regras impostas pelo nosso governo. Algumas pareceram-me erradas (como o confinamento) outras criminosas (como o encerramento das escolas e do comércio), mas enfim, chegaram a quase todos, portanto, não poderia apontar à coerência. E além do mais tínhamos o Antunes, o Carmo e o Carona no comando. O que poderia correr mal?
Depois da Páscoa e do arraial de disparates que se seguiu, já fiquei com maiores dificuldades de perceber fosse o que fosse. Continuavam a exigir quarentenas e testes aos emigrantes mas, nas ruas de Lisboa, permitiam ajuntamentos de milhares. Com pouquíssimos casos e zero mortes, exigiam máscaras na praia e multavam pessoas isoladas na rua. Depois mandavam sms aos portugueses para que cumprissem o distanciamento enquanto os ingleses, os tais da bolha, se amontoavam na Ribeira aos milhares e partiam umas coisas embalados pela cerveja barata.
Pelo meio apareceu o nosso Marcelo, um ano depois, a questionar o critério dos infectados sem que se percebessem as correspondências com casos graves e pessoas nas UCIs. No fundo, aquilo que os negacionistas suecos dizem há uns bons 14 meses. Mas tudo bem. Quem é que está a contar o tempo perdido? Imagino que lá para Setembro ninguém tenha sido responsável pela matriz de risco, pelos encerramentos, pelos modelos falhados, pelas previsões catastróficas com desníveis de meses.
Nada contra a festa dos ingleses. Nada contra corredores verdes. E nada contra a malta do sporting no Marquês. Acho bem que se abra tudo e que deixem a vida voltar ao normal, cabendo a cada um de nós manter o distanciamento. Mas esta coisa do governo apertar com a populacão, mandar famílias para a miséria, tornar a vida dos portugueses (os que não são da burguesia) um inferno e, no fim da história, dedicar-se a fazer fretes à UEFA e à liga dos campeões, tenham paciência. É mesmo de República das Bananas da Europa. Quase um caso de vergonha alheia.
No hemisfério sul comecam a subir novamente os casos em países vacinados e onde o inverno se aproxima. Tal como aconteceu por cá (HN) entre Novembro e Fevereiro. Bem sei que nos dizem, os especialistas da TVI, que a sazonalidade nada tem a ver com este enredo. Ignorantes como eu diriam que, se não tem, disfarca bem.
Tenho a sensacão que o Costa está a navegar um pouco sem rumo e vai montando a estratégia ao sabor dos dias. Multa velhotes na rua e putos na praia, vende-nos uma bolha de ingleses que nunca existiu e leva um valente empurrão do sol que ajuda a diminuir as doencas pulmonares e do MEL (voltarei a este tema noutro texto), que o deixa sem oposicão. Costa é o Tim Robbins deste Shawshank. Vai atravessar o túnel da pandemia envolto em merda e sair limpinho, tal como o Tim, do outro lado onde a chuva libertadora o espera.
Do meu laboratório, onde a noite já não chega, assisto a uma novela em duas realidades paralelas. Não as quero perceber. Já não me importa a lógica, a coerência, o senso comum ou sequer a ciência. Aqui entre nós, vou contando pelas duas mãos os dias para andar de máscara, cumprimentar amigos com o cotovelo e entrar no oceano de capacete. Tudo para ver quem conta e cheirar o conhecido.
E se valer uma bolha, até meias brancas do Lidl ou uma marquise eu desenrasco. Venham de lá essas regras.